
Limites da atuação do odontólogo: quando é necessária a presença de médico anestesiologista para aplicar sedação em procedimentos odontológicos?
É de conhecimento amplo que procedimentos odontológicos, assim como atos médicos, podem depender da aplicação de analgesia para reduzir os níveis de consciência do paciente durante o procedimento e evitar seu desconforto. Porém, nem todos os pacientes – ou mesmo os profissionais da área – têm conhecimento sobre os limites da atuação do cirurgião dentista no campo da analgesia, desconhecendo, consequentemente, quando deve atuar o médico anestesiologista.
A esse respeito, é interessante pontuar que a execução de sedação profunda, bloqueio anestésico e anestesia geral, por lei, é ato privativo do profissional médico – conforme a previsão do artigo 4º, inciso VI, da Lei nº 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina. Além da própria lei, há que se considerar, também, o entendimento do Conselho Federal de Medicina, na qualidade de órgão que fiscaliza e normatiza a prática médica em nosso país. Nesse sentido, o CFM compartilha do ponto de vista legal, reiterando que a presença de médico anestesiologista na realização de sedação é necessária, principalmente pensando na implementação de medidas preventivas voltadas à redução de riscos e no aumento da segurança do ato anestésico, conforme Resolução CFM nº 2.174/2017.
Portanto, é possível afirmar desde logo que, se o procedimento odontológico a ser realizado necessitar de sedação profunda, será obrigatória a presença do médico anestesiologista para aplicá-la, pois essa função excede os limites legais da atuação do profissional odontólogo.
Importante salientar que a sedação endovenosa é abrangida pelo conceito de sedação profunda e, por isso, também não pode ser aplicada por cirurgiões dentistas. Os riscos envolvendo a sedação endovenosa estão associados à transição entre os níveis de sedação, devendo o médico anestesiologista garantir que existam no ambiente cirúrgico todos os equipamentos e medicamentos necessários para monitorar esses níveis, e para recuperar o paciente de estado de maior depressão das funções cardiovascular e respiratória. É nesse sentido que prevê a Resolução CFM nº 2.272/2020, tendo os médicos anestesiologistas a obrigação de somente realizar procedimentos anestésicos em pacientes a serem submetidos a cirurgia odontológica quando estes forem executados em unidades de saúde adequadas às normas do Conselho Federal de Medicina.
Além de atestar as condições de segurança do ambiente onde será praticado o ato anestésico, é também de responsabilidade do médico anestesiologista tomar todos os cuidados atinentes ao ato pré-operatório, independentemente de a cirurgia ser odontológica e não propriamente médica. Assim, cabe ao anestesiologista realizar a consulta pré-anestésica, incluindo a anamnese, estratificação do risco, orientação do paciente sobre a técnica anestésica mais benéfica, e obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido.
Uma vez afirmado que a sedação profunda, bloqueio anestésico e anestesia geral só podem ser realizadas por profissional médico, conclui-se que resta aos odontólogos somente a aplicação de sedação leve ou consciente, cabendo aos cirurgiões dentistas, na intenção de atribuir maior segurança possível ao ato anestésico, observar as condições dispostas na Resolução CFM nº 1.670/2003 acerca das características mínimas do ambiente em que será aplicada a sedação.
Finalmente, sabendo que os médicos anestesiologistas podem performar o ato anestésico em procedimentos odontológicos, cabe alertá-los sobre os limites no transporte de fármacos a serem utilizados na analgesia.
Para discorrer sobre o transporte de medicamentos, é preciso mencionar a Portaria de nº 344/98 da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. O artigo 2º da referida Portaria estabelece que, para transportar toda e qualquer substância constante das listas do Regulamento Técnico em anexo à Portaria, ou os medicamentos que as contenham, é obrigatória a obtenção de Autorização Especial concedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, cujo procedimento de obtenção consta dos artigos seguintes.
Importa ressalvar que a Portaria não direciona essa imposição especificamente a profissionais médicos ou empresas transportadoras, de forma que tal obrigação se estende a qualquer um que promover o transporte das substâncias constantes do Regulamento Técnico – o que inclui clínicas odontológicas e médicos anestesiologistas autônomos.
Em especial, quanto aos profissionais da saúde que pretendem realizar o transporte de medicamentos e fármacos por conta própria, a Portaria impõe limitação quantitativa a ser observada, restringindo o transporte à quantidade de 3 (três) ampolas de medicamentos entorpecentes e até 5 (cinco) ampolas de medicamentos psicotrópicos, para aplicação em caso de emergência, como dispõe o artigo 94.
Em conclusão, tem-se que a sedação profunda em procedimentos odontológicos só pode ser aplicada por médicos anestesiologistas, em ambientes que estejam de acordo com as normas do Conselho Federal de Medicina, e após a realização da consulta pré-anestésica por profissional médico, restando ao odontólogo a aplicação tão somente da sedação leve ou consciente. No caso de anestesiologistas se dirigirem a clínicas odontológicas para praticar o ato anestésico, devem se atentar à limitação quantitativa no transporte de fármacos, na forma do que prevê a Portaria nº 344/98 da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e seu anexo.