
A desmobilização de serviços médicos de urgência e emergência. Você sabe quais são os limites legais dessa prática?
O presente artigo examinará a rescisão dos contratos de prestação de serviços que abrangem serviços de urgência e emergência, especialmente nas contratações que envolvem o poder público, onde não raras vezes, não existem profissionais suficientes para substituir os médicos que deixam os serviços de urgência e emergência em decorrência de rescisão contratual ou atingimento do termo final da contratualização.
Inicialmente, é preciso considerar que toda e qualquer paralisação do atendimento médico em instituições de saúde traz prejuízos à população e certo constrangimento para quem suspende o serviço, ainda que a suspensão seja justificada pela rescisão contratual ou atingimento do termo final da contratualização, ambos decorrentes da regular extinção do contrato.
Nestas situações, a imprensa costuma contribuir e agravar o constrangimento, atribuindo a responsabilidade pela desassistência exclusivamente aos médicos, o que, na maioria das vezes, não corresponde à verdade.
Analisando esta situação sob o enfoque do Código de Ética Médica, verificamos que, já em seus princípios fundamentais, o Código nos informa a impossibilidade de afastamento do médico dos serviços de urgência e emergência, onde são tratados os pacientes em estado grave, sem que haja a efetiva substituição do mesmo por outro profissional médico.
O afastamento do médico do setor de urgência e emergência, sem a devida substituição, e sem a devida comunicação ao Diretor Técnico do hospital, para que sejam tomadas as providências cabíveis, constitui infração ética.
Por esta razão, a continuidade do atendimento aos setores de urgência e emergência, até a efetiva transferência dos serviços, é questão que transcende os limites contratuais.
Isto porque, a urgência e a emergência são exceções à autonomia da vontade dos profissionais médicos, e consequentemente das suas empresas e das suas cooperativas médicas, sendo que nestes casos específicos o Conselho Regional de Medicina deve ser comunicado previamente à rescisão contratual, em face da gravidade dos interesses envolvidos.
Quando não houver a quem repassar os serviços de urgência e emergência, persiste a obrigatoriedade de atendimento pelos médicos, suas empresas e suas cooperativas, ainda que já efetivada a rescisão contratual.
Saliente-se que se trata de regra de cumprimento incondicional, que determina que o médico não pode deixar de atender pacientes em setores de urgência e emergência, ainda que estejam desobrigados contratualmente, tendo em vista que a obrigação decorre de determinação legal e regulamentar.
O médico, que abandona suas atividades, sem se resguardar do efetivo repasse do serviço de urgência e emergência a outros médicos, além de ferir princípios éticos de sua profissão, ainda comete infração penal, consubstanciada no crime de “periclitação da vida e da saúde”, na espécie omissão de socorro.
”Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo de vida; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte".
A omissão de socorro é uma das espécies de infração imposta pelos diplomas legais modernos, que tem por objetivo manter a solidariedade humana, estimulando o respeito humano como obrigação legal.
Por este motivo, por serem tão graves e relevantes as repercussões, não basta que os médicos (suas empresas e suas cooperativas) procedam na forma prevista no contrato para obter a rescisão contratual e a desmobilização dos serviços de urgência e emergência.
É necessário, como medida preventiva, a notificação extrajudicial prévia e concomitante do tomador do serviço, solicitando a indicação da equipe substituta que assumirá os serviços e do CRM local, informando a rescisão contratual e a desmobilização dos serviços.
Em que pese não ser exigência do Código de Ética Médica, aconselhamos ainda que seja notificado o Diretor Técnico do Hospital acerca da operacionalização da rescisão contratual, pois é dever dele providenciar a transferência dos serviços a outra equipe médica, conforme determina o Código de ética Médica.
Com relação às medidas administrativas e jurídicas a serem adotadas, informamos que o Judiciário pode e deve ser acionado, e que o Montanha, Alcântara Advogados Associados pode auxiliá-los com as notificações necessárias; com a obtenção de uma ordem judicial para a liberação dos médicos da obrigação de garantir a continuidade dos serviços das unidades de urgência e emergência; bem como, com a fixação dos parâmetros de remuneração dos serviços prestados após a rescisão contratual.
Resumindo, independentemente de ter sido concretizada juridicamente a rescisão do contrato de prestação de serviços, de acordo com a cláusula rescisória, os serviços de urgência e emergência não podem ser simplesmente abandonados pelos médicos, sem a garantia da sua efetiva substituição, com a transferência efetiva da responsabilidade à nova equipe médica, procedimento que deve ser devidamente formalizado.