O Papel da Sociedade de Especialidade na  Implementação das Políticas Públicas de Saúde

O Papel da Sociedade de Especialidade na Implementação das Políticas Públicas de Saúde

A implementação e gestão das políticas públicas de saúde será eficiente quando as informações da saúde pública e privada estiverem consolidadas em uma única plataforma, que permita aos gestores, de forma anonimizada, identificarem as lacunas de assistência. Somente assim, será possível criar soluções e potencializar a destinação dos parcos recursos públicos existentes à implementação de estratégias, produtos e ações direcionadas à segurança do paciente, possibilitando a mitigação da ocorrência de evento adverso na atenção à saúde.

Algumas medidas vêm sendo implementadas pelo Ministério da Saúde, como a criação da plataforma de Registro Nacional de Implantes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, através da qual será possível rastrear os materiais implantáveis, do momento em que foi produzido na indústria até o fim da vida do paciente, monitorando a sua eficiência durante toda a sobrevida deste.

A criação desse registro, apesar de ter tido inicialmente uma motivação econômica e criminal (decorrente do escândalo da Máfia das órteses e próteses), permitirá o levantamento de uma série de informações de extrema importância e relevância para o desenvolvimento científico das especialidades que implantam órteses e próteses, tais como a quantidade e qualidade de procedimentos realizados no Brasil e nas suas microrregiões; a qualidade de desfechos (a curto, médio e longo prazo); a qualidade dos materiais e técnicas em relação à sua eficiência; e tantas outras informações suficientes para gerar trabalhos científicos baseados em dados confiáveis e capazes de aferir a realidade brasileira.

O registro dessas informações deverá ser obrigatório para instituições públicas e privadas, permitindo o acesso a um prontuário único para cada paciente (vinculado ao respectivo CPF), com identificação de todas as cirurgias que utilizaram materiais implantados e o seu desempenho durante a sobrevida do paciente.

A expansão do Registro Nacional de Implantes – RNI para as demais especialidades cirúrgicas e para a anestesiologia é medida de simples integração, e que demandaria o esforço de incluir segmentos no referido sistema, que permitissem integrar, por exemplo, a ficha anestesiológica eletrônica de cada paciente, vinculando e registrando em seu CPF todo e qualquer evento adverso que tenha sofrido durante a vida em todas as ocasiões em que fora submetido a procedimentos anestesiológicos.

De pronto, tem-se dois resultados imediatos: a diminuição de eventos adversos em razão de falha na estratificação do risco cirúrgico, decorrente de ausência de informações (paciente de urgência e emergência que entra inconsciente no Centro Cirúrgico, por exemplo); e a investigação em segurança do paciente proposta pela OMS, com base em dados que permitam: a) medir o dano; b) compreender as causas; c) identificar as soluções; c) avaliar o impacto; e 5) transpor a evidência em cuidados mais seguros.

Por óbvio que demandaria trabalho árduo das Sociedades de Especialidades no sentido de replicar e adaptar a sistemática de registro do RNI para as suas especialidades respectivas, a exemplo do trabalho desenvolvido pela SBHCI (Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista) e pela SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia) na formulação do Registro Nacional de Implantes.

Para ser eficiente, o registro dessas informações precisa ser obrigatório para instituições públicas e privadas, de forma a permitir o planejamento da demanda em saúde da população brasileira (com o conhecimento da disponibilidade de recursos públicos e privados) e o investimento direcionado às áreas que demandem especial atenção. Resumindo, as possíveis soluções apontam para a necessidade de implementação do prontuário único eletrônico (vinculado ao CPF do cidadão), de visualização livre exclusivamente pelo paciente, o qual autorizaria o acesso ao médico assistente e à instituição hospitalar e o seu registro, com identificação de todos os materiais implantados, medicamentos, procedimentos e eventos adversos, restando garantida a oportunidade de confirmação, pelo paciente, de que os recursos públicos disponibilizados foram efetivamente consumidos, tratando-se de medida efetiva contra a corrupção, e que viabiliza uma auditoria eficiente e de baixo custo das contas públicas.

Para além da eficiência na aplicação dos recursos públicos, o acesso das sociedades de especialidades aos dados registrados é capaz de garantir o avanço científico baseado no perfil dos pacientes brasileiros, permitindo analisar a demanda de cada especialidade, as causas dos eventos adversos averiguados, o desempenho das técnicas utilizadas e os desfechos alcançados. Este acesso ao banco de dados do prontuário único eletrônico é capaz de transformar radicalmente a produção de trabalhos científicos e o aprimoramento da educação continuada existentes no Brasil.

Por evidente que o acesso a esses dados, a exemplo do Registro Nacional de Implantes – RNI, se dará respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados, sendo garantida a anonimização de dados.

O simples fato de concentrar essas informações em um único registro, vinculando-as ao CPF do paciente, aumenta sensivelmente a chance de planejamento da anestesia/cirurgia, de forma a evitar que os eventos adversos se repitam. Além deste aspecto, tal providência geraria um banco de dados inestimável, de alta confiabilidade, potencializando a produção científica brasileira.

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