
Direito das origens
O direito das origens é o direito das pessoas em conhecer da própria ascendência biológica, visando, geralmente, à proteção à saúde e ao livre desenvolvimento da personalidade, mas sem necessariamente reestabelecer vínculos com a família genética.
Esse direito das origens nasceu a partir de discussões do direito europeu, que passou a concedê-lo de forma excepcional aos indivíduos que não fossem filhos biológicos de sua família atual, mas que apresentassem sintomas de doença genética ou motivo relevante. Ou seja, a doutrina europeia compreende como a finalidade do direito das origens o exercício do direito à saúde.
No Brasil, a maior parte da doutrina defende que o principal objetivo desse direito é a tutela do direito à identidade pessoal e familiar da pessoa e à formação de sua própria personalidade. Assim, para além do direito à saúde, há a percepção de direito à qualidade de vida, princípio esse edificado sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que, em conjunto com o direito à saúde e outros, constituem os direitos da personalidade humana.
Assim, o direito das origens não visa descobrir quem é o verdadeiro pai, muito menos criar vínculo de paternidade-filiação, ou atribuir as obrigações decorrentes desse vínculo. Visa, em fato, dar ao autor da ação tão somente a possibilidade de conhecer de sua ascendência biológica e genética, visando à proteção à saúde ou à plena formação de sua personalidade, sem, contudo, formar qualquer vínculo de parentesco civil e nem vínculos de natureza obrigacional com a família biológica.
Sob essas premissas, o direito das origens passou a ter um dispositivo próprio no art. 48 do ECA:
Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos.
Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.
Deve-se ter em mente, no entanto, que o art. 48 não gera garantia integral ao descente em conhecer de sua origem genética de forma irrestrita, vez que devem ser sopesados os direitos da personalidade de um lado, e o direito ao anonimato e à vida privada dos pais biológicos, bem como ao sigilo médico, de outro.
Considerando que o direito ao conhecimento da própria origem genética se fundamenta principalmente em preceitos gerais (art. 1º, III, da CF e art. 12 CC), cabe ao magistrado ponderar em cada caso concreto os interesses postos em causa.
Os limites, portanto, serão dados caso a caso, devendo o juiz ponderar entre o direito ao anonimato e à vida privada dos pais biológicos, e o direito à saúde, qualidade de vida e livre desenvolvimento da personalidade do filho ou filha. Os dados que poderão ser acessados serão concedidos de acordo com o melhor interesse do descendente, o que inclui a avaliação de sua capacidade em entender a verdade e as capacidades psíquicas de lidar com esta.
A valoração feito pelo juízo deve levar em conta, portanto, não apenas os princípios constitucionais supracitados sobre os direitos da personalidade para a concessão do direito ao conhecimento da própria origem, mas também os direitos de sigilo médico-paciente dos médicos e o direito ao anonimato dos pais biológicos, principalmente quando envolve a doação de gametas ou embriões.
REFERÊNCIAS
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MADALENO. Rolf. Direito de Família. 8ª edição – versão digital. Rio de Janeiro: editora forense – grupo gen, 2018. Disponível em: https://acljur.org.br/wp-content/uploads/2018/07/Direito-de-Fam%C3%ADlia-Rolf-Madaleno-2018.pdf. Acesso em: 15/08/2021. p 657-659.
SZANIAWSKI, Elimar. Diálogos com o direito de filiação brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2019.