A possibilidade de formação de vínculo de emprego entre usuário motorista/entregador com plataforma digital

A possibilidade de formação de vínculo de emprego entre usuário motorista/entregador com plataforma digital

O serviço por plataforma digital, como UBER, 99 TÁXIS, IFOOD e RAPPI, são novas formas de prestação de serviços que têm gerado inúmeros debates, tanto em relação à precarização do trabalho que elas potencializam, quanto pela sua falta de regulação. Um grande debate que surgiu nos últimos anos é sobre a possibilidade de ser reconhecido o vínculo de emprego entre essas plataformas e seus usuários (não consumidores), sendo o objetivo deste breve artigo trazer alguns dados relevantes ao tema.

De um lado, há os que defendem uma maior proteção dos trabalhadores contra a exploração e precarização que essas plataformas potencializam, de outro, os que defendem que a regulação pode prejudicar os avanços tecnológicos e sociais, devendo a situação permanecer como está, vez que funciona.

Fato é que deve ser analisado como esse trabalho ocorre na realidade fática, verificando se ele realmente funciona para os envolvidos no processo, ou se se trata apenas de uma exploração mascarada de autonomia dos trabalhadores.

Para entender como esse assunto é tratado pelo sistema judiciário brasileiro, foi realizado um amplo estudo, através da análise de 457 (quatrocentas e cinquenta e sete) decisões judiciais dos Tribunais do Trabalho do país, até o fim do primeiro semestre de 2021. De tais decisões, 387 tratam sobre o vínculo de emprego entre plataforma e usuário, enquanto 65 tratam sobre a responsabilização subsidiária da plataforma.

Do levantamento de dados, foi constatado que dentre as 387 decisões que tratam sobre vínculo de emprego, apenas 22 concederam o vínculo ao trabalhador/prestador de serviço. Porém, para fins de debate, o mais importante é entender o que levou aos Tribunais a chegarem a tal conclusão.

Para a formação do vínculo de emprego, devem ser observados os seguintes critérios do art. 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Assim, para ser configurado o vínculo de emprego, devem ser observados, no mínimo, quatro requisitos: pessoalidade (trabalho realizado por uma pessoa determinada, não pode ser outro quem realiza), não eventualidade (trabalho diário, em dias e horários mais ou menos regulares e constante), subordinação (empregado se subordina às ordens do patrão) e onerosidade (trabalho se dá em troca de um salário).

Existe pessoalidade no contrato de trabalho quando este é exercido apenas pela pessoa que foi contratada para tanto. No caso de prestação de serviços por plataformas digitais, a pessoalidade é constada pelo cadastro dos usuários motoristas/entregadores, que são individualizados. Reforça-se que a possibilidade de trabalhar em mais de uma plataforma concomitantemente não afasta a pessoalidade, pois a exclusividade não é requisito para a caracterização de vínculo empregatício.

Haverá habitualidade quando o trabalho for prestado de forma contínua e não eventual. Desse modo, a habitualidade (não-eventualidade) deve ser observada no caso concreto, a depender da rotina de trabalho adotada por cada usuário.

A onerosidade é verificada quando a parte contratada exerce o trabalho/serviço e recebe, para tanto, uma contraprestação (remuneração).

No caso de serviços prestados através de plataformas digitais, há os que entendem que a remuneração do usuário trabalhador é feita pelo cliente/consumidor. Contudo todos os recibos do serviço digital prestado são emitidos no nome da plataforma, e não do consumidor, denunciando que quem remunera é, de fato, a plataforma.

Ademais, a plataforma estipula os preços, estabelece regras de tarifa dinâmicas, promoções, campanhas de incentivos aos usuários e o percentual cobrado pela utilização da plataforma, além de repassar posteriormente os valores recebidos ao usuário/prestador de serviço, já com os respectivos abatimentos.

Por fim, a subordinação é o campo mais debatido quanto ao reconhecimento de vínculo empregatício aos trabalhadores que exercem sua atividade através de plataformas digitais. Ela é caracterizada quando o empregador exerce o papel de supervisor do trabalhador, ou seja, ele determina os parâmetros para prestação do serviço.

Isso porque, ao ser descaracterizada, é totalmente afastado o reconhecimento do vínculo de emprego, configurando o usuário como um prestador de serviços autônomo.

Algumas características da relação usuário/plataforma sugerem a existência de subordinação entre a plataforma digital e os seus usuários/prestadores de serviços, dentre elas: possibilidade de punição ao trabalhador; a plataforma determina o preço do produto/serviço; a plataforma tem influência direta no tempo de trabalho e outras condições do exercício, ditando as instruções, parâmetros e condições para realização do trabalho; e a gestão da remuneração ao trabalhador se dá pela plataforma.

Há que se atentar, porém, que o Tribunal Superior do Trabalho já havia se manifestado rejeitado o reconhecimento do vínculo de emprego entre usuário e plataforma digital por 4 (quatro) vezes à época do estudo realizado, não tendo mudado sua opinião desde então.

Assim, o entendimento atual do Tribunal Superior do Trabalho é contrário ao reconhecimento da existência de vínculo de emprego entre o motorista/entregadores e plataformas digitais, principalmente por não vislumbrar a existência de subordinação na referida relação.

Caso queira saber mais sobre o tema ou trazer novas perspectivas para este importante debate, não deixe de entrar em contato conosco pelas nossas redes sociais e/ou e-mail.

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