
Qual o papel do médico na judicialização?
Você sabe qual é o papel do médico na judicialização?
Ainda que se fale tanto em judicialização da saúde, é certo que grande parte da classe médica ainda não compreendeu adequadamente qual é o seu papel neste contexto.
Nem mesmo a maioria de nós, advogados, compreende quais são os direitos e os deveres do profissional médico e no que esses direitos e deveres interferem na judicialização da saúde.
O primeiro fato que precisa ser considerado é que a classe médica tem se sentido desconfortável com a pecha de que tem contribuído para a judicialização, uma vez que não compreende adequadamente o cenário posto.
O que se pode identificar é a imensa dificuldade de entender os motivos pelos quais os médicos são tidos como algozes da judicialização.
Ao consultarmos a pesquisa do CNJ sobre o tema, verificamos que as causas envolvendo diretamente os médicos, ou seja, as que tratam de erro médico, correspondem à fatia de 2,9% dos acórdãos proferidos pelos Tribunais Estaduais, conforme se verifica no quadro abaixo.
Portanto, se 97% da judicialização envolve outras demandas que não se referem a erro médico, como explicar esse papel atribuído ao médico?
E é aí que entra a questão de compreender os papéis do médico na judicialização.
É importante entender que a atuação do médico se dá praticamente em todas as causas levadas ao judiciário e que envolvam a saúde.
Isso porque o médico desempenha pelo menos três papéis diferenciados na judicialização da saúde:
1º - Parte
2º - Perito
3º - Prescritor
É tranquilo de compreender o médico como parte, pois se trata de responsabilidade profissional pessoal pelos danos eventualmente causados aos pacientes, concernente ao erro médico (responsabilidade civil, penal e ética-administrativa).
O médico como perito também é de fácil compreensão, porque é quem detém o conhecimento técnico e/ou científico aprofundado para avaliar, dentro da sua área de atuação, todos os fatos que envolvem os pedidos pleiteada judicialmente.
A grande dificuldade está em compreender o papel do médico quando se encontra na condição de prescritor.
Para uma melhor compreensão, é preciso termos em mente que a profissão de médico no Brasil é regulada e fiscalizada pelo CFM, que é uma autarquia federal responsável por registrar, regulamentar e fiscalizar a atividade profissional dos médicos, nos termos contidos nos princípios fundamentais do Código de Ética Médica:
Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
XVI - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente
É vedado ao médico:
Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do FINANCIADOR PÚBLICO OU PRIVADO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.
Ou seja, os médicos prestadores do serviço médico devem se desincumbir dos seus deveres de transparência e cuidado para com seus pacientes, atuando de acordo com as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e com as melhores evidências científicas.
O foco deve ser o tratamento médico responsável. Não é dos médicos a responsabilidade pela diminuição de custos das operadoras de saúde ou mesmo do Sistema Único de Saúde. Esse é o papel dos gestores.
O compromisso do médico é com a manutenção da vida e da saúde do paciente, prescrevendo tratamentos baseados em evidências científicas e no princípio da beneficência. E aqui precisamos ter cuidado com as soluções propostas pelos contratantes com o objetivo de diminuir o custo para a Saúde Suplementar e resolver o problema da escassez de recursos do Sistema Único de Saúde.
Os cuidados com os custos das operadoras de saúde e com os custos dos orçamentos públicos são de responsabilidade e atribuição dos gestores, não devendo estes aspectos interferirem na atuação profissional do médico e na segurança do paciente.
Concluindo, o papel mais relevante do médico e que impulsiona a judicialização é o de prescritor, e nesta qualidade o médico deve atuar com absoluta autonomia e com total compromisso com a saúde e a vida do seu paciente, deixando as questões jurídicas e administrativas a cargo dos gestores e do judiciário, cabendo a estes estabelecer os limites e deveres das operadoras de saúde e do Estado nas questões pertinentes à saúde.