
Anestesiologia e o Programa Nacional de Segurança do Paciente
A segurança do paciente é considerada política pública do Estado, decorrente da anuência do Estado Brasileiro à agenda política da Organização Mundial da Saúde (OMS), aprovada durante a 57ª Assembleia Mundial da Saúde (2004), que recomendou aos países integrantes da OMS atenção especial ao tema "segurança do paciente".
A Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013, do Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), estabelecendo diretrizes para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional, bem como criando o Comitê de Implementação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (CIPNSP). Tal Comitê tem competência para propor e validar protocolos, guias e manuais voltados à segurança do paciente em diferentes áreas, apontando, especificamente, dentre essas áreas, os “procedimentos cirúrgicos e de anestesiologia”, nos termos do inciso I, da alínea “b”, do artigo 7º da referida Portaria do Ministério da Saúde.
Desse modo, a anestesiologia, assim como as especialidades cirúrgicas, está no cerne das questões tratadas pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente, uma vez que nos centros cirúrgicos estão concentrados os eventos adversos evitáveis, que, se devidamente identificados, admitem medidas de contenção capazes de preservar a vida e a saúde dos pacientes.
Foi dentro deste contexto que, em 2017, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia tomou a iniciativa de atualizar a Resolução CFM nº 1.802/2006, como forma de enfrentamento das questões relativas à segurança do paciente, atreladas à especialidade da anestesiologia. Essa atualização se deu mediante o atendimento pleno das determinações da citada Portaria nº 529 do Ministério da Saúde, que orientaram o texto da Resolução CFM nº 2.174/2017, a qual dispõe, por sua vez, sobre a prática do ato anestésico.
No entanto, é ingenuidade acreditar que a mera obrigatoriedade da monitorização mínima atrelada à estratificação do risco cirúrgico, como padrão de segurança do paciente, exigida pelos artigos 3º e 4º Resolução CFM nº 2.174/2017, é suficiente para garantir a segurança do paciente, sem a compreensão de que o aparelhamento da maioria dos centros cirúrgicos do país depende diretamente da existência de verbas orçamentárias vinculadas às políticas públicas.
O mesmo acontece em relação às demais exigências da Resolução CFM nº 2.174/2017, como o planejamento prévio das atividades do serviços de anestesiologia; a presença de médico anestesiologista na sala de recuperação anestésica; o monitoramento adequado do paciente; o registro de eventos adversos; o protocolo de cuidados e o treinamento em situações críticas; dentre outros, que demandam uma gestão profissionalizada das instituições hospitalares.
Neste sentido, a participação da Sociedades de Especialidades Médicas na formulação de soluções (sejam comportamentais, técnicas, cientificas ou tecnológicas) é imprescindível e demanda o acompanhamento da implementação das políticas públicas de Estado ligadas à Saúde, mais especificamente aquelas que impactem na segurança do paciente.
O registro das informações relativas ao consumo de insumos (medicamentos, materiais e equipamentos) e de serviços (médicos, enfermeiros, administrativos etc.), bem como o monitoramento de sua qualidade, só serão alcançados com a superação dos obstáculos relativos à ausência de informação consolidada e confiável.
Somente o registro, a rastreabilidade e o monitoramento de medicamentos, materiais, equipamentos e serviços consumidos permitirá à Administração Pública o planejamento adequado da aplicação dos recursos disponíveis. Especificamente em relação aos procedimentos cirúrgicos e anestésicos, a adoção de tais medidas permitirá, ainda, a verificação e o monitoramento dos eventos adversos e o atingimento dos objetivos da investigação em segurança do paciente propostos pela OMS, quais sejam: 1) Medir o dano; 2) Compreender as causas; 3) Identificar as soluções; 4) Avaliar o impacto; 5) Transpor a evidência em cuidados mais seguros.
Esse registro permitirá também o levantamento de uma série de informações de extrema importância para o desenvolvimento científico de todas as especialidades, tais como a quantidade, qualidade e eficiência de procedimentos e técnicas realizados no Brasil e nas suas microrregiões; a qualidade dos desfechos (a curto, médio e longo prazo); a quantidade e a qualidade dos medicamentos, materiais e técnicas utilizadas, em relação à sua eficiência; e tantas outras informações suficientes para gerar trabalhos científicos baseados em dados confiáveis, e que permitirão o delineamento do perfil de consumo em saúde da população brasileira.